Será que o conceito de "Direitos dos Animais" comete falácia naturalista? Descubra assistindo ao vídeo abaixo ou lendo a transcrição logo a seguir.
Direitos dos Animais, Falácia Naturalista e Guilhotina de Hume
Quando falamos em direitos dos animais, diversas são as dúvidas dos mais variados públicos. Hoje eu quero responder a uma dúvida em particular, comum entre aquelas pessoas que estão preocupadas com bons raciocínios éticos que não cometam falácias.
A verdade é que eu já respondi essa dúvida diversas vezes em comentários nas redes sociais, mas como ela tem sido recorrente, resolvi então gravar este vídeo só pra ter um link útil quando alguém perguntar de novo.
E a questão é esta:
Afinal, a ideia de Direitos dos Animais comete uma falácia naturalista?
Pra ilustrar melhor, vamos ler este comentário do Lucas Carvalho no meu vídeo resposta ao Paulo Kogos sobre direitos dos animais:
"Direitos dos animais cai na guilhotina de Hume?
Animais sentem dor pois têm sistema nervoso (o que é um fato), logo eles devem ter direitos de vida, liberdade, etc (o que seria um valor)"
E esse é um questionamento totalmente válido, afinal David Hume, um filósofo escocês que é famoso por seu empirismo radical, nos ensinou diversos problemas relativos à causalidade, ou seja problemas relativos à relação entre causa e efeito.
E um desses problemas é de caráter ético, pois Hume percebeu que muitos filósofos de seu tempo faziam afirmações sobre como as coisas deveriam ser com base naquilo que as coisas já são.
Pra Hume, isso é um problema porque não é óbvia a relação entre o mundo natural, que é o mundo do SER, e o mundo valorativo, que é o mundo do DEVER SER.
Simplesmente dar esse salto seria um apelo à natureza, uma falácia naturalista, na medida em que se julga como "bom" ou "moralmente considerável" aquilo que é natural, sem explicar o motivo pelo qual "ser natural" é bom.
A invalidade lógica desse apelo à natureza nós podemos chamar de Lei de Hume, ou Guilhotina de Hume, na medida em que serve para "guilhotinar" raciocínios errados desse tipo.
Ou seja, pra que o SER, aquilo que É — como o fato de animais sentirem dor... —, pra que isso SIRVA de fundamento para o DEVER SER, aquilo que DEVEMOS FAZER — como dar direitos aos animais... —, é preciso superar um hiato explicativo que está aí, e esse hiato só será preenchido se dermos razões que não sejam meras razões naturais, mas razões valorativas, razões éticas.
Assim sendo, se o raciocínio pra defender os animais não-humanos for meramente que "eles têm sistema nervoso, PORTANTO devem ter direitos", então parece mesmo haver uma falácia naturalista, afinal todo filósofo sabe que não é porque É natural que DEVE ser respeitado.
Em outras palavras: não é porque uma coisa É que, portanto, ela DEVE ser.
Só que, a bem da verdade, esse pulo do reino dos fatos para o reino dos juízos morais não é, nem de longe, o raciocínio realizado pelos animalistas — que são as pessoas que defendem os direitos dos animais ou a consideração moral utilitária dos mesmos.
O raciocínio a favor dos direitos dos animais não cai na guilhotina de Hume pois costuma seguir a seguinte estrutura:
Premissa 1: Animais sentem dor. (que é uma afirmação sobre o reino dos fatos)
Premissa 2: Não devemos infligir dor a seres sencientes. (aqui a afirmação já é sobre o reino dos valores)
Conclusão: Portanto, não devemos infligir dor aos animais. (uma conclusão valorativa no reino normativo)
Este é um argumento válido, pois a conclusão deriva das premissas.
Da mesma forma, vejam que em nenhum momento se pulou da Premissa 1 direto para a Conclusão. Não se saiu, meramente, do natural para o valorativo. Antes, o hiato explicativo foi preenchido com uma premissa valorativa que independe dos fatos.
Só que o argumento que eu acabei de estruturar não é um argumento a favor dos direitos dos animais. Vamos então continuar a formalização:
Premissa 3: Todos os seres sencientes têm direito à vida. (mais uma vez estamos no reino dos valores)
Conclusão 2: Portanto, animais têm direitos. (temos outra conclusão indicando uma norma no reino normativo)
Esse argumento continua válido.
Vejam também que até a primeira conclusão nós temos uma posição tipicamente utilitarista, preocupada com o bem-estar dos animais. Já, na segunda conclusão, temos a agregação de uma premissa a mais, que é deontológica a nível de direitos.
Pra explicar melhor, então, vejam que o erro em acreditar que a ideia de direitos dos animais cai na Guilhotina de Hume deriva do fato de que as premissas valorativas foram ocultadas, elas ou não estão sendo vistas pela pessoa ou a pessoa está de forma proposital omitindo elas pra desqualificar os direitos dos animais.
Se retirarmos as premissas valorativas, vejam como fica o argumento:
Premissa 1: Animais sentem dor. (reino dos fatos)
Conclusão 1: Logo, não devemos infligir dor aos animais. (reino normativo)
Conclusão 2: Portanto, animais têm direitos. (reino normativo)
Se fosse isso que os animalistas tivessem dizendo, até eu me veria forçado a atacar os direitos dos animais. Mas a gente sabe que não é... E quem não sabe ou está mal informado ou está fingindo não saber.
Mas... Então é isso pessoal, espero ter sido didático o suficiente. Sempre que vocês virem alguém acusar os direitos dos animais de caírem na guilhotina de Hume ou falácia naturalista, portanto, se poupem do trabalho e mandem este vídeo pra essa pessoa, valeu?.
E se quer continuar esse papo filosófico comigo, saiba que estou fazendo transmissões ao vivo todos os dias na Twitch.TV. Basta acessar twitch.tv/alyaugusto, que é o link que eu coloco aí na tela, e poderão me acompanhar em transmissões ao vivo, fazendo gameplay e filosofando em tempo real com todos vocês.
Eu vou ficando por aqui, meu nome é Alysson Augusto, e a gente se vê no próximo episódio. Forte abraço.